Introdução
Muitas mulheres e casais dificilmente engravidarão e terão um bebê sem tratamento médico, devido à infertilidade. Os médicos desenvolveram uma variedade de tecnologias de reprodução assistida (TRA), como a fertilização in vitro (FIV), que envolve a manipulação de óvulos e esperma fora do corpo da mulher, para tentar aumentar suas chances de engravidar.
Normalmente, na concepção assistida, os médicos coletam os óvulos de uma mulher e os fertilizam em um laboratório, levando à formação de embriões. Um embrião é o estágio inicial do desenvolvimento humano. Os médicos geralmente transferem um ou vários embriões para o útero de uma mulher em um dos dois estágios de desenvolvimento embrionário: ou o estágio de clivagem, que é 2 ou 3 dias após a coleta de óvulos, quando um embrião normalmente consiste de 2 a 128 células; ou o estágio de blastocisto, que é 5 ou 6 dias após a coleta de óvulos, quando um embrião consiste de 70 a 100 células.
Até recentemente, os médicos geralmente transferiam embriões no estágio anterior, de clivagem. No entanto, tem havido uma tendência à transferência de embriões na etapa posterior, blastocisto. Os pesquisadores acreditam que somente os embriões capazes de sobreviver chegam ao estágio de blastocisto; em outras palavras, os embriões viáveis se auto-selecionarão. Assim, pensa-se que a transferência de embriões no estágio posterior apresenta chances de melhorar as chances de uma mulher engravidar e ter um bebê saudável.
Pergunta da revisão
Queríamos saber se a transferência de embriões para o útero de uma mulher no estágio de clivagem (dia 2 a 3) ou de blastocisto (dia 5 a 6) é melhor, em termos de:
- número de bebês nascidos vivos (taxa de nascido vivo) após transferências de embriões usando apenas embriões "frescos"; ou seja, embriões que não foram congelados e posteriormente descongelados;
- número total de gestações obtidas após transferências de embriões usando embriões "frescos" e congelados e depois descongelados, coletados a partir de um único procedimento de coleta de óvulos (cTGC);
- taxa de gravidez múltipla (quando uma mulher está gestando mais de um bebê por vez);
- taxa de aborto (a perda de uma gravidez antes da 20ª semana de desenvolvimento no útero).
Características dos estudos
Incluímos 32 ensaios controlados randomizados (estudos nos quais os participantes são designados aleatoriamente a 2 ou mais grupos de tratamento), que incluíram 5821 mulheres ou casais. As evidências são atuais até outubro de 2021.
Resultados principais
- A transferência de embriões "frescos" no estágio blastocisto (dia 5 a 6) pode resultar em mais nascidos vivos do que quando os embriões "frescos" são transferidos no estágio de clivagem (dia 2 a 3). Isto sugere que, se 31% das mulheres conseguem o nascido vivo após a transferência do embrião em estágio "fresco" de clivagem, entre 32% e 41% o fariam após a transferência em estágio "fresco" de blastocisto.
- A transferência de embriões "frescos" no estágio blastocisto provavelmente leva a mais gravidezes clínicas - definidas como evidência de atividade cardíaca fetal em uma ultrassonografia - do que quando embriões "frescos" são transferidos no estágio de clivagem. Isto sugere que se 39% das mulheres alcançarem uma gravidez clínica após uma transferência "fresca" do estágio de clivagem, entre 42% e 47% provavelmente o farão após uma transferência "fresca" do estágio de blastocisto.
- Não temos certeza se a transferência em fase blastocisto favorece taxas cumulativas de gravidez clínica (ou seja, gravidezes tanto de ciclos frescos quanto de ciclos descongelados decorrentes de um único procedimento de coleta de óvulos).
- Não temos certeza se a transferência em blastocisto aumenta as taxas de gravidez múltipla em comparação com a transferência em clivagem, quando consideramos todos os estudos que relataram informações sobre isso.
- Quando consideramos apenas evidências de estudos de alta certeza (qualidade) e estudos que transferiram o mesmo número de embriões em ambos os estágios embrionários, descobrimos que a taxa de gravidez múltipla é provavelmente mais alta no grupo de transferência em ambos os estágios do blastocisto.
- Não sabemos se a transferência do estágio de blastocisto aumenta as taxas de aborto em comparação com a transferência do estágio de clivagem.
Estudos futuros devem informar as taxas de nascido vivo, nascido vivo acumulativo e aborto, para permitir que as mulheres, casais e seus médicos tomem decisões bem informadas sobre a melhor opção de tratamento disponível.
Qualidade da evidência
Temos uma confiança baixa a moderada na certeza das evidências para a maioria dos desfechos. A principal limitação foi a falha de alguns estudos para descrever métodos aceitáveis de designar mulheres ou casais ao acaso para grupos de tratamento (randomização).
Há evidências de baixa certeza para o nascido vivo e evidências de certeza moderada para a gravidez clínica de que a transferência em estágio de blastocisto fresco está associada a taxas mais altas de ambos do que a transferência em estágio de clivagem fresco. Não sabemos se a transferência do estágio de blastocisto melhora a cTGC derivada de ciclos frescos e congelados após uma única recuperação de oócitos. Embora haja um benefício que favorece a transferência em estágios de blastocisto em novos ciclos, são necessárias mais evidências para saber se o estágio da transferência afeta as taxas cumulativas de nascimento vivo e de gravidez. Os futuros ECRs devem informar as taxas de nascidos vivos, nascidos vivos acumulados e aborto. Devem também avaliar as mulheres com um prognóstico ruim para permitir que aqueles que se submetem à tecnologia reprodutiva assistida (TRA) e prestadores de serviços possam tomar decisões bem informadas sobre a melhor opção de tratamento disponível.
Os avanços nos meios de cultura embrionária levaram a uma mudança na prática de fertilização in vitro (FIV) na transferência de embriões em fase de clivagem para a transferência de embriões em fase de blastocisto. A razão para a transferência do estágio de blastocisto é melhorar a sincronicidade uterina e embrionária e permitir a auto seleção de embriões viáveis, resultando assim em melhores taxas de nascidos vivos.
Para determinar se a transferência de embriões no estágio de blastocisto (dia 5 a 6) melhora a taxa de nascimento vivo (TNV) por transferência fresca e outros resultados associados, em comparação com a transferência de embriões no estágio de clivagem (dia 2 a 3).
Pesquisamos por ensaios controlados na Cochrane Gynaecology and Fertility Group Specialised Register, CENTRAL, MEDLINE, Embase, PsycINFO e CINAHL, desde o início até outubro de 2021. Também fizemos buscas em plataformas de registros de ensaios clínicos para identificar estudos em andamento e avaliamos as listas de referências dos estudos recuperados.
Incluímos ensaios clínicos randomizados (ECRs) que compararam a eficácia da FIV com a transferência de embriões em estágio de blastocisto com a FIV com transferência de embriões em estágio de clivagem.
Seguimos os métodos padrões recomendados pela Cochrane para realizar revisões sistemáticas. Nossos principais desfechos foram TNV por transferência fresca e taxas cumulativa de gravidez clínica (cTGC). Os desfechos secundários foram taxa de gravidez clínica (TGC), gravidez múltipla, gravidez múltipla de alta ordem, aborto (todos após a primeira transferência de embriões), falha na transferência de embriões e se os embriões excedentes foram congelados para transferência em uma data posterior (transferência de embriões congelados - TEC). Usamos o GRADE para avaliar a certeza das evidências para as principais comparações.
Incluímos 32 ECRs (5821 casais ou mulheres).
A taxa de nascidos vivo após uma nova transferência foi mais alta no grupo de transferência em estágio blastocisto (odds ratio (OR) 1,27, intervalo de confiança de 95% (IC) 1,06 a 1,51; I2= 53%; 15 estudos, 2219 mulheres; baixa certeza da evidência). Isto sugere que, se 31% das mulheres conseguem o nascido vivo após a transferência de um embrião em etapa de clivagem, entre 32% e 41% o fariam após a transferência de um embrião em etapa de blastocisto.
Não temos certeza se a transferência de embrião em blastocisto melhora a cTGC. Uma análise post hoc mostrou que a vitrificação poderia aumentar a cTGC. Esta é uma descoberta interessante que merece mais investigação quando mais estudos usando vitrificação forem publicados.
A TGC também foi mais elevada no grupo de transferência em estágio blastocisto, após a nova transferência (OR 1,25, 95% IC 1,12 a 1,39; I2= 51%; 32 estudos, 5821 mulheres; certeza moderada da evidência). Isto sugere que se 39% das mulheres alcançarem uma gravidez clínica após uma nova transferência de fase de clivagem, entre 42% e 47% provavelmente o farão após uma nova transferência de fase de blastocisto.
Não sabemos se a transferência em blastocisto aumenta a gravidez múltipla (OR 1,05, 95% IC 0,83 a 1,33; I2= 30%; 19 estudos, 3019 mulheres; baixa certeza da evidência) ou taxas de aborto (OR 1,12, 95% IC 0,90 a 1,38; I2= 24%; 22 estudos, 4208 mulheres;baixa certeza da evidência). Isto sugere que se 9% das mulheres têm uma gravidez múltipla após uma nova transferência de fase de clivagem, entre 8% e 12% o fariam após uma nova transferência de fase de blastocisto. Entretanto, uma análise de sensibilidade restrita apenas a estudos com baixo ou "algumas preocupações" por risco de viés, no subgrupo de igual número de embriões transferidos, mostrou que a transferência de blastocisto provavelmente aumenta a taxa de gravidez múltipla.
As taxas de congelamento de embriões (quando há embriões excedentes congelados para transferência em uma data posterior) foram mais baixas no grupo de transferência em estágio blastocisto (OR 0,48, 95% IC 0,40 a 0,57; I2= 84%; 14 estudos, 2292 mulheres; baixa certeza da evidência). Isto sugere que se 60% das mulheres têm os embriões congelados após a transferência do estágio de clivagem, entre 37% e 46% o fariam após a transferência do estágio de blastocisto.
A não transferência de embriões foi maior no grupo de transferência de blastocistos (OR 2,50, 95% IC 1,76 a 3,55; I2= 36%; 17 estudos, 2577 mulheres; moderada certeza da evidência). Isto sugere que se 1% das mulheres não têm nenhum embrião transferido em uma transferência planejada de fase de clivagem, entre 2% e 4% provavelmente não têm nenhum embrião transferido em uma transferência planejada de fase de blastocisto fresco.
Para a maioria dos desfechos avaliados, a certeza da evidência foi de baixa. As principais limitações eram a grave imprecisão e o sério risco de viés, associado à falha em descrever métodos aceitáveis de randomização.
Tradução do Cochrane Brazil (Aline Rocha e Victória Sálua Cavaleti).Contato:tradutores.cochrane.br@gmail.com”.